domingo, 20 de junho de 2010

Memorial de Campo Grande no Rio de Janeiro

Naquela época, era diferente. Viam-se mortos sobre a mesa, perto do mar, no horizonte. Cantavam uma incelença pedindo a bênção de tudo que já foi dito. Mas, naquele caso era diferente.
Era uma noite escura, perdendo forças a cada mediação de tempo. Viam-se famílias passeando, ouvindo música, naquela lenta habitação que tinha Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro. Talvez na passagem da  avenida Brasil continuasse assim. A lua fermentava-se junto com as estrelas, formando claridade, sem alguma
lâmpada na estrada. Era longe do centro, e ainda é. Se passarmos por ali veremos algo claro, rural, marcado pela época que foi a década de 60, terminantemente acabada a obra final de memorização daquele bairro.
Até hoje lembram-se daquele dia que foi 23 de setembro de 1966. Formou um medo total, sem alguma marcação na avenida, sem nenhum automóvel passando por aquela via que era parte da BR-101, que cruza a região Sudeste.
Aquelas pessoas livremente passando por aquela via próxima ao centro, que ligava ao centro do Rio de Janeiro, não imaginariam o que viria a seguir, naquele momento. Elas estavam felizes, sem imaginar qual o que iria acontecer naquele todo. Haviam pequenas construções de casas, sem nenhum habitante.
As pessoas no caminho estavam vendo uma luz no fundo da avenida Brasil, era um caminhão gigantesco. Não posso dizer que foi acidente, pois não foi. Desceu uma pessoa rendada de felicidade, com coração calmo e vazio, atirando-lhes algo que parecia conhecido.
Ele pegou algo do seu bolso, algo da memória. Não me lembro bem o que era, se era uma arma ou um revólver, mas sei que atirou-lhe a sete chaves para o céu, mandando aquelas pobres pessoas se retirarem, e logo em seguida atirou pesado, e, ao mesmo tempo, vagarosamente, para alguém. Quem teve a pesada bala nas costas, simplesmente, foi aquela mulher que lutou pela independência daquele bairro, e que queria transformar aquela parte em município.
Patrícia, vamos chamá-la assim, pois seu nome ninguém sabia. Ela vinha do sul, no ano de 1960, para trabalhar na unificação da avenida das Bandeiras com a novíssima avenida Brasil. Não tinha ninguém, vivia sozinha desde que nasceu. Quem a ensinou a ler, a escrever e a trabalhar foi a sua parteira, Maria das Dores. Patrícia tinha 20 anos completos quando veio para o Rio de Janeiro. Poucos sabiam da sua vida particular, pois morava ali, em uma das raras casas à beira da avenida Brasil. O contrato que ela fizera com a empresa da avenida foi até acabar a obra, mas ela ficou até a morte. Em 1964 criou o partido UCG, sigla de Unidos de Campo Grande, que hoje está esquecido na memória daquele bairo, quase uma cidade.
Lutou pela unificação de Bangu, Santa Cruz, Sepetiba, Guaratiba e Campo Grande, para se tornar a cidade de Campo Grande. Durante esses dois anos perdidos na memória de Campo Grande, Patrícia lutou pela independência, como, anos atrás, lutaram pela do Brasil. Quando sua mãe de criação, a Maria das Dores faleceu, ela não se unificou junto com a morte. Vivia sempre séria, com o apelido de Santa de Campo Grande. O povo daquele lugar com menos de 3 mil habitantes a conhecia por esse nome. Ninguém sabia dela, só se sabia que ela veio do Sul trabalhar nas obras de unificação da avenida Brasil. Se ela tinha nome, qual o nome dela, ninguém sabia. Se era santa de verdade ou uma pilantra qualquer, ninguém sabia. Se tinha filhos, ninguém sabia. Ela era recheada de mistérios, porém, como todos estes segredos, o povo confiou-lhe a mão de trabalhar juntos.
No dia seguinte da morte, Campo Grande estava em prantos, sagrando aquele corpo de uma santa, que nem mesa tinha, nem caixão. Só tinha um barco, para ser levada a véus, a sete palmos do chão, que singrará a sete céus até chegar naquele lugar que ela queria desejado. Posso dizer o mesmo para o querido Saramago, posso sim. Aquele escritor fabuloso que desejou muitas pessoas e que foi desejado naquele romance límpido que escrevera e deixaste o amor levá-lo enfim, para onde está essa santa Patrícia, a Santa de Campo Grande.
Levaram ela para Sepetiba, jogaram-lhe o corpo no barco, com todos os sentimentos, as lágrimas do pranto das pessoas daquele Campo Grande, daquela zona oeste saudosa. O último adeus deram-lhe, sem saber ao menos o seu nome. Queriam que ela virasse santa, tal qual não aconteceu. Mas na memória este episódio irá ficar.
Naquela época, era diferente. Viam-se mortos sobre a mesa, perto do mar, no horizonte. Cantavam uma incelença pedindo a bênção de tudo que já foi dito. Mas, naquele caso foi diferente.

3 comentários:

  1. goosteei do Poostt muito legal :D


    http://copiagaspar.blogspot.com/

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  2. Achei a postagem bem interessante! Gostei como foi conduzida!
    Puro encanto!
    ;D

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